Eu quero um desses

Sempre fui fã do Artur Veríssimo e a sua coluna-gonzo da revista Trip.

E na última edição da publicação, o nosso Hunter Thompson experimenta um, como vou dizer, artefato (acho que define bem) de "reposição de energia vital" chamado Orgasmatron. Na verdade uma ferramenta da somaterapia para acumulação orgônica.
Sentiu a viagem? Mas não para por aí, fiz questão de extirpar o texto para não deixar ninguém boiando (muito):

O telefone sacudia como uma enguia fora do mar. Olhei para o relógio e os ponteiros indicavam 4h46 da manhã. Porra, quem poderia estar ligando antes de o sol nascer? Atendo o aparelho. Do outro lado do planeta (ok, Los Angeles) falava meu vecchio fratello Andrez Castilho. Animadíssimo, metralhava a história de uma criatura que estava dando um H no Rio de Janeiro. O sujeito, figurinha carimbada do underground beat-americano, comprara duas casas no bairro de Santa Tereza onde instalara algumas caixas suspeitas que Andrez chamava de “orgasmatron”. Tentei arrancar qual a utilidade de tais caixas mas Andrez enrolou-me com uma miríade de teorias. Desliguei e adormeci novamente, mas aquela palavra ficou martelando na minha cachola por todo o sono: orgasmatron, orgasmatron, orgasmatron...

Ao meio-dia já estava na linha com o gringo. Filho de uma das grandes lendas do jazz americano (Artie Shaw), mister Jonathan Shaw tatuou dezenas de celebridades do show business americano durante décadas. Ganhou uma grana por conta da compra dos direitos da história do pai para o cinema e resolveu dar um tempo da loucura da cena gringa — veio parar em terras cariocas.

O louco me convidou para chegar em Santa e experimentar sua “caixa”, nada menos que o famoso acumulador de orgônio criado pelo austríaco Wilhelm Reich. Trata-se do médico contemporâneo de Freud, Einstein e Jung, o homem abalou os pensamentos vigentes da psicologia e da psiquiatria que se desenvolviam no início do século 20. Afirmou, por exemplo, que as neuroses são produzidas socialmente e hospedam-se tanto na mente como no corpo. Suas pesquisas e textos foram mal compreendidos pela sociedade psicanalítica, e suas teses abafadas e sonegadas nas universidades de psicologia. A coisa toda cheirava estranho...

Batalha entre vagina e pênis
Conhecido pelas quebradas do Rio como Cigano, mister Jonathan me cumprimentou e mandou que eu o seguisse. Em seguida montou em sua moto e subiu as estreitas ruas de Santa Tereza — sem camiseta. Com o corpo coberto de tatuagens, acenava aos transeuntes como vereador em época de reeleição.

A cripta onde estão instalados os acumuladores de orgone possui uma das vistas mais impressionantes da baía de Guanabara. Adquirida recentemente, sua casa pertenceu a um ex-oficial alemão do período do nazismo. Tudo muito sinistro e mal-assombrado. Mas, ao subir uma escadaria longilínea até o piso superior, me deparei com as caixas. Estava para penetrar no mundo da orgonomia (ciência que investiga as manifestações da energia no cosmos) e na experiência da orgonoterapia.

Reich estudava profundamente a sexualidade dos povos antigos, e manuais como Kama Sutra, Ananga Ranga e Chandamaharosana Tantra não saíam da sua escrivaninha. Segundo ele, a função da sexualidade não é apenas a batalha entre o pênis e a vagina imposta pela sociedade e pela indústria pornográfica, e, sim, a transformação e união com o parceiro. Reich citava a experiência intensa do amor e da sexualidade como fator fundamental para o equilíbrio das pessoas. Na sua obra A Função do Orgasmo, descreve detalhadamente que o orgasmo pleno e prazeroso é o regulador biológico da energia vital para qualquer criatura. E a caixa equilibra essa energia.

O Cigano bombardeava minha mente com informações perpetuando meu fluxo contínuo de pensamentos. Munido de caneta e bloquinho de anotações, fui me despindo para finalmente me atirar no acumulador de orgônio. Respirei fundo. (N.R. Orgone, orgônio e orgasmatron são todas formas aceitas para remeter à energia vital que pode ser tanto do corpo como do cosmos.)

Hot max
“As vibrações e o interior da caixa começaram a aquecer. O silêncio é sepulcral. Sinto-me dentro de uma catacumba. Ondas vibratórias de relaxamento lançam-me a outra esfera. A mente vai longe e os pensamentos se dissipam. Vôo ascensional.” Esse não é Reich, mas eu em minha primeira experiência com o orgasmatron, no que consegui decodificar depois do que estava impresso no meu maltratado bloco.

E tem mais: “O calor contido na caixa me faz gravitar em um estado de suor e torpor. Começa a ficar difícil escrever. Uma bruma densa estanca minhas idéias. Um cardume de sensações povoa os limites do conhecido. Mergulho em algo nebuloso rotulado de inconsciente coletivo. Começo a suar pesado pela epiderme. Gotas imensas. Uma nuvem de sossego encosta-se ao meu corpo físico e mental. Serei definitivamente abduzido?”.

Agora sou orgônio
Graças a uma verdadeira caçada aos bruxos, instaurada nos EUA em 1956, Reich foi preso. A justiça queria que ele comprovasse suas pesquisas e descobertas sobre os efeitos milagrosos dos acumuladores de orgone. O psicanalista formado em medicina em Viena negou-se para, no ano seguinte, morrer no xadrez. Mas seus estudos encontraram eco nas gerações seguintes, como na figura de Roberto Freire, 80, terapeuta brasileiro.

Freire, em seus muitos livros publicados, defende a tese da somaterapia, técnica criada por ele e “que possui a mesma função do acumulador de orgônio”. Trata-se de uma terapia corporal com mais de 30 exercícios realizados em grupo durante um ano e que trazem o reequilíbrio orgástico através da movimentação do corpo. “Uma terapia brasileira e anarquista”, define o criador. Ele explica que a função do “cubo” — nossa caixa — é acumular energia vital. “A pessoa deita e essa energia sai do seu corpo, bate nas paredes e volta novamente para o corpo. Quem é reprimido sexualmente tem sérios problemas na circulação da energia vital. O prana acumulado no cubo atua melhorando a saúde do usuário. Os orientais descobriram isso há 5000 anos, a acupuntura possui efeitos similares... Existem também muitos equivalentes orgásticos percebidos por Reich: dançar, bocejar, espreguiçar e namorar. Mas ao entrar na caixa a pessoa tem seu reequilíbrio energético”, afirma Freire para a Trip.

Fora da caixa
Saio da posição de meia lótus e desabo de qualquer jeito. Agora, SOU ORGÔNIO. Um calor das entranhas do universo emana do lado em que o sol castiga a caixa externamente. Começo a derreter e liberar toxinas. A mente vagueia e só volto à realidade de Santa Tereza quando o cigano interplanetário, num período que pareceu secular, finalmente abre a caixa.

Estava são e salvo. Meu intestino é que não correspondia. Na realidade um bálsamo sagrado envolvia meu corpo e a serenidade afastara minha costumeira ansiedade. Mas o Cigano parecia ignorar meu momentum, e disparava jargões me convencendo a comprar um acumulador de orgônio. Entusiasta em todos os sentidos, Jonathan me informa que já despachara duas das caixas para os EUA. Agradeci e disse que precisava de um tempo pra pensar antes de fazer qualquer encomenda.

Dia seguinte, me sentindo leve e “estranho”, me peguei no Santos Dummont à espera do vôo para a paulicéia. Algo havia mudado. Não sentia nada em especial, nenhum órgão apitava como nas antigas ressacas das antigas baladas pós Carbono 14. Muito pelo contrário, me sentia pleno e sadio como há muito tempo não... De repente minha mente foi invadida pelo sorriso suspeito do Cigano. Saltei sem sair do lugar. Olhei em volta para encontrar uma garotinha me fitando como quem olha para um freak. Mas, afinal, o que foi que fizeram comigo?



Agora vocês já sabem o que eu quero de natal!

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